como se a primeira detivesse o monopólio da Lógica...
Texto e foto: Isabel Metello ©
Artigo publicado na edição nº 37 do jornal Nova em Folha, Abril 2006
Secção: Sociedade
Secção: Sociedade
Sir Harold Kroto, Prémio Nobel da Química, esteve na Gulbenkian e apelou ao investimento colectivo na ciência, desvirtuando a vacuidade da cultura espectacular
No dia 13 de Dezembro, a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) acolheu, no âmbito do ciclo de colóquios intitulado À Luz de Einstein 1905-2005, devotado às comemorações do Ano Internacional da Física, o Professor Doutor Harold Kroto, o Prémio Nobel da Química de 1996. Com uma simplicidade e poder comunicativo extraordinários, Sir Harold Kroto, na sua palestra intitulada 2010, A NANOSPACE ODYSSEY, encantou uma plateia plena de estudantes, professores e curiosos, que acorreram em massa às instalações da FCG. Em suma, Harold Kroto quis demonstrar a sua Teoria da Sustentabilidade que, como explicitou na entrevista concedida ao NEF, assenta nos pressupostos de um controlo do uso colectivo dos recursos naturais e de um investimento no desenvolvimento científico, como vias para se solucionarem questões prementes como o problema energético, reequacionando a insustentabilidade do actual estilo de vida humano. Só a ciência e um forte sentido colectivo de responsabilidade social poderão constituir uma força de atrito à dinâmica de destruição do planeta Terra em curso, como referiu. A Mecânica Quântica, tendo como conceito primordial a ligação, poderá, assim, ter uma aplicação prosaica e pragmática, contribuindo para uma adaptação da humanidade às alterações céleres verificadas na tecnologia, no mundo laboral e na vida quotidiana, cada vez mais dependentes de uma economia global, e para uma auto-suficiência que evite a disrupção.
Nesse contexto, Kroto instigou a sociedade civil portuguesa a investir no desenvolvimento das capacidades cognitivas das suas crianças e jovens, apelando ao retorno do uso do jogo Meccano, um jogo inventado por Frank Hornby por volta de 1900 que teve particular sucesso nas gerações juvenis de 1950/60, em detrimento do Lego. De facto, defendeu na entrevista concedida ao NEF , enquanto que o Lego é um jogo tecnicamente trivial, o Meccano constitui um verdadeiro kit de aprendizagem da engenharia, estimulando no público juvenil a aquisição da mais importante das capacidades: a sensibilidade para construir estruturas “governadas pelos mesmos factores que governam as coisas quotidianas, como bicicletas, carros e outros mecanismos”. Com este objectivo em mente, Kroto promove, frequentemente, workshops de Meccano em todo o mundo que, na sua opinião, “actualizam uma dinâmica que faz com que a ciência esteja ao serviço da pedagogia”. Paralelamente, Kroto participou na construção do projecto Vega Science Trust, focalizado em criar uma plataforma tecnológica de difusão de conteúdos desenvolvidos por especialistas e de actividades de índole científica, de programas educativos, que pretendem constituir uma força de atrito à actual focalização mediática em debates redutores, que elegem como protagonistas celebridades e políticos. De facto, Kroto, na sua palestra, para além de acusar os media de constituírem dispositivos que inculcam no imaginário colectivo uma imagem caricatural do cientista, enquanto um excêntrico que se dedica a algo de inalcançável ao comum dos mortais; aponta-os igualmente como responsáveis pela entronização de uma cultura espectacular difusora de modelos facilitistas e fúteis, que ignora o papel social crucial dos cientistas, dado que se nutre do culto das celebridades, o que constitui, hoje, um dos obstáculos ao desenvolvimento do interesse das crianças e dos jovens pela ciência e, concomitantemente, do seu raciocínio lógico. E o mais irónico e trágico de tudo isto, afirmou, na sua palestra, é que os actuais grandes problemas da humanidade não podem ser resolvidos por celebridades, mas pela ciência e pelo conhecimento, só a ciência pode ajudar a erradicar flagelos mundiais como os da SIDA, do paludismo, da tuberculose,... Face à questão colocada pela repórter do NEF sobre
a oposição entre liberdade de pensamento e livre arbítrio por si postulada na autobiografia disponível online, Kroto defendeu a dúvida racionalista como o baluarte do pensamento científico, definindo “o pensamento místico” como uma série de obscuridades que impedem o raciocínio lógico e a procura da verdade, e que constituem um móbil potencial de conflitos massivos.
Paralelamente, defendeu a necessidade de se postular o relativismo e de se afirmar a humanidade como o valor primordial. Isto, acrescentou, apesar de muitos valores humanistas advirem de princípios religiosos, como o “não matarás”. “Quanto a mim”, afirmou Kroto, “só sei que em nada acredito”. Interessante será comparar estas opiniões de Harold Kroto à célebre frase de Einstein: “ciência sem religião é coxa; religião sem ciência é cega” ou a uma declaração proferida pelo célebre físico, quando interpelava por via televisiva o povo americano, que o acolheu na sua fuga ao despotismo nazi, (filmagem disponibilizada ao público na exposição À Luz de Einstein, promovida pela FCG): “A nossa era está orgulhosa do desenvolvimento intelectual humano (...) Procurar a verdade é uma das actividades humanas mais nobres (...) [porém], não devemos transformar o intelecto no nosso deus, ele tem músculos poderosos, mas não tem personalidade, pode conduzir, não pode servir (...)[deveras], o intelecto tem um olho afiado para métodos e para a verdade, mas é cego para valores e fins”.
Finalizada a sua cativante palestra, Kroto ficou rodeado de jovens que se acotovelavam para conseguir um autógrafo e uma foto com o Prémio Nobel da Química 1996. Nesse momento, uma jovem que ia a sair do auditório afirmou: “Acordem para a vida, acordem para a realidade, só sei que eu já tenho um autógrafo!”. A ironia da aplicação da lógica da celebridade a quem a encara como um móbil da redução de sentido em curso...
Nesse contexto, Kroto instigou a sociedade civil portuguesa a investir no desenvolvimento das capacidades cognitivas das suas crianças e jovens, apelando ao retorno do uso do jogo Meccano, um jogo inventado por Frank Hornby por volta de 1900 que teve particular sucesso nas gerações juvenis de 1950/60, em detrimento do Lego. De facto, defendeu na entrevista concedida ao NEF , enquanto que o Lego é um jogo tecnicamente trivial, o Meccano constitui um verdadeiro kit de aprendizagem da engenharia, estimulando no público juvenil a aquisição da mais importante das capacidades: a sensibilidade para construir estruturas “governadas pelos mesmos factores que governam as coisas quotidianas, como bicicletas, carros e outros mecanismos”. Com este objectivo em mente, Kroto promove, frequentemente, workshops de Meccano em todo o mundo que, na sua opinião, “actualizam uma dinâmica que faz com que a ciência esteja ao serviço da pedagogia”. Paralelamente, Kroto participou na construção do projecto Vega Science Trust, focalizado em criar uma plataforma tecnológica de difusão de conteúdos desenvolvidos por especialistas e de actividades de índole científica, de programas educativos, que pretendem constituir uma força de atrito à actual focalização mediática em debates redutores, que elegem como protagonistas celebridades e políticos. De facto, Kroto, na sua palestra, para além de acusar os media de constituírem dispositivos que inculcam no imaginário colectivo uma imagem caricatural do cientista, enquanto um excêntrico que se dedica a algo de inalcançável ao comum dos mortais; aponta-os igualmente como responsáveis pela entronização de uma cultura espectacular difusora de modelos facilitistas e fúteis, que ignora o papel social crucial dos cientistas, dado que se nutre do culto das celebridades, o que constitui, hoje, um dos obstáculos ao desenvolvimento do interesse das crianças e dos jovens pela ciência e, concomitantemente, do seu raciocínio lógico. E o mais irónico e trágico de tudo isto, afirmou, na sua palestra, é que os actuais grandes problemas da humanidade não podem ser resolvidos por celebridades, mas pela ciência e pelo conhecimento, só a ciência pode ajudar a erradicar flagelos mundiais como os da SIDA, do paludismo, da tuberculose,... Face à questão colocada pela repórter do NEF sobre
a oposição entre liberdade de pensamento e livre arbítrio por si postulada na autobiografia disponível online, Kroto defendeu a dúvida racionalista como o baluarte do pensamento científico, definindo “o pensamento místico” como uma série de obscuridades que impedem o raciocínio lógico e a procura da verdade, e que constituem um móbil potencial de conflitos massivos.
Paralelamente, defendeu a necessidade de se postular o relativismo e de se afirmar a humanidade como o valor primordial. Isto, acrescentou, apesar de muitos valores humanistas advirem de princípios religiosos, como o “não matarás”. “Quanto a mim”, afirmou Kroto, “só sei que em nada acredito”. Interessante será comparar estas opiniões de Harold Kroto à célebre frase de Einstein: “ciência sem religião é coxa; religião sem ciência é cega” ou a uma declaração proferida pelo célebre físico, quando interpelava por via televisiva o povo americano, que o acolheu na sua fuga ao despotismo nazi, (filmagem disponibilizada ao público na exposição À Luz de Einstein, promovida pela FCG): “A nossa era está orgulhosa do desenvolvimento intelectual humano (...) Procurar a verdade é uma das actividades humanas mais nobres (...) [porém], não devemos transformar o intelecto no nosso deus, ele tem músculos poderosos, mas não tem personalidade, pode conduzir, não pode servir (...)[deveras], o intelecto tem um olho afiado para métodos e para a verdade, mas é cego para valores e fins”.
Finalizada a sua cativante palestra, Kroto ficou rodeado de jovens que se acotovelavam para conseguir um autógrafo e uma foto com o Prémio Nobel da Química 1996. Nesse momento, uma jovem que ia a sair do auditório afirmou: “Acordem para a vida, acordem para a realidade, só sei que eu já tenho um autógrafo!”. A ironia da aplicação da lógica da celebridade a quem a encara como um móbil da redução de sentido em curso...
Sem comentários:
Enviar um comentário